domingo, 15 de novembro de 2009

Problemáticos com cultura...

Abaixo um texto de Luís Fernando Veríssimo, escritor, muito engraçado
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Invólucros
Telefones celulares, agendas eletrônicas e computadores portá-
teis cada vez mais compactos, e portanto com teclas cada vez me-
nores, pressupõem usuários com dedos finos. Se vale a teoria da
seleção natural de Darwin, as pessoas com dedos grossos se torna-
rão obsoletas, não se adaptarão ao mundo da microtecnologia e logo
desaparecerão. E os dedos finos dominarão a Terra. Há quem diga
que, como os mini-teclados impossibilitam a datilografia tradicio-
nal e, com o advento das calculadoras, os cinco dedos em cada mão
perderam a sua outra utilidade prática, que era ajudar a contar
até dez, os humanos do futuro nascerão só com três dedos em cada
mão: o indicador para digitar (e para indicar, claro), o dedão o-
positor para poder segurar as coisas e o mindinho para limpar o
ouvido.
Outra inevitável evolução humana será a pessoa já nascer com
um dispositivo — talvez um dente adicional, cuneiforme, na frente
— para desembrulhar CDs e outras coisas envoltas em celofane, como
quase tudo hoje em dia. E fiquei pensando no enorme aperfeiçoamen-
to que seria se as próprias pessoas viessem envoltas numa espécie
de celofane em vez de pele. Imagine as vantagens que isto traria.
No lugar de derme e epiderme, uma pele transparente que permitisse
enxergar todos os nossos órgãos internos, tornando dispensáveis os
raios X e outras formas de nos ver por dentro. Bastaria o paciente
tirar a roupa para o médico olhar através da sua pele e dar o di-
agnóstico, sem precisar apalpar ou pedir exames.
Está certo, seríamos horrorosos. Em compensação, a pele trans-
parente seria um grande equalizador social. "Beleza interior" ad-
quiriria um novo sentido e ninguém seria muito mais bonito que
ninguém, embora alguns pudessem ostentar um baço mais bem-acabado
ou um intestino delgado mais estético, e o corpo de mulheres com
pouca roupa ainda continuasse a receber elogios ("Que vesícula!").
Acabaria a inveja que as mulheres têm, uma da pele das outras, e a
conseqüente necessidade de peelings, liftings, botox etc. E como
todas as peles teriam a mesma cor — cor nenhuma —, estaria provado
que somos todos iguais sob os nossos invólucros, e não existiria
racismo.
Fica a sugestão, para quando nos redesenharem.

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